Quinta-feira, 25 de Abril de 1974. O Sol rompendo pelas janelas anunciava um novo dia de Primavera. Barbeava-me ao som da rádio favorita, o Rádio Clube Português, mas com grande surpresa, em vez das músicas habituais, ouço marchas militares. O que se passa, interroguei-me. Não era usual este tipo de música logo pela manhã.
E, em lugar do locutor do costume, talvez o Luís Filipe Barros, que animava as manhãs do RCP, ouço uma voz solene a anunciar "aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas" e de seguida, sucintamente, lendo um comunicado sobre o que estava a acontecer em Lisboa.
Não percebi. A informação era demasiado sintética, mas algo se estava a passar na capital. Golpe da oposição (lembrei-me do 16 de Março), golpe da brigada do reumático, golpe da direita? Tentei adivinhar. Reuni a família e transmiti-lhes o pouco que sabia.
Cerca das nove horas dirigi-me para a Fábrica, para mais um dia laboral. Já na empresa dei conta que quase ninguém sabia do golpe militar. O trabalho seguiu o ritmo normal.
Cerca das onze horas, recordo perfeitamente, tivemos a visita de um técnico, vindo de Lisboa, para proceder à reparação de uma máquina. Uma boa oportunidade para saber algo de mais concreto. Às minhas perguntas respondeu-me que por Lisboa, nas ruas em que circulou, estava tudo calmo, igual aos outros dias, apenas na auto estrada Lisboa-Vila Franca de Xira, observou grandes movimentações militares de soldados, viaturas e blindados em direcção à capital.
Após o almoço, no Café do Manuel Lopes, os clientes habituais, claro, o tema das conversas foi o golpe de Lisboa, mas ninguém sabia pormenores. Por volta das duas horas cada um de nós foi às suas vidas.
A rotina não se quebrou, Mação, tal como hoje era uma aldeia grande, a vida prosseguiu igual ao dia anterior, sem sobressaltos ou agitações.
Não duvido que algumas figuras gradas maçaenses quer ligadas à Câmara Municipal, à Acção Nacional Popular, à Legião Portuguesa ou à PIDE, soubessem, realmente, o que se estava a passar em Lisboa.
Após o jantar, como era hábito, dirigi-me ao Café do Pêra. Estava completamente cheio, todos com os olhos postos na televisão, vendo e ouvindo, avidamente, as notícias. Aos poucos ia-se conhecendo a natureza do golpe. Entre os clientes encontravam-se alguns maçaenses que viviam e trabalhavam em Lisboa, tinham fugido da capital com medo da revolução...
Nos dias seguintes ao 25 e Abril por Mação nada aconteceu, a vida seguia igual, absolutamente calma.
O 25 de Abril só aqui chegou uma semana depois, na tarde de 1 de Maio, quando pela primeira vez os maçaenses se pronunciaram sobre os novos ventos que sopravam em Portugal. O primeiro Dia do Trabalhador, em liberdade, teve honras de manifestação.
Embora o cortejo, formado na Praça, demorasse a arrancar, o medo era latente, acabou por ter inicio, já com muita gente incorporada e reunindo mais maçaenses à medida que avançava no seu percurso. Nele predominavam os jovens. Percorreu as principais ruas da zona antiga de Mação, onde vivia grande parte dos seus habitantes, e terminou no Largo Dr. Samuel Mirrado, conhecido republicano maçaense, aí mesmo, alguns jovens estudantes e trabalhadores, com grande fervor patriótico, usaram da palavra enaltecendo os ideais de Abril. Foi uma bela jornada patriótica.
O medo do fascismo tinha acabado definitivamente.